Por:
Pr. Selmo Reis
A
“base bíblica” foi a maldição sobre Caim (Gên. 4.11). Vez por outra, pessoas
ignorantes da Bíblia e que a usam de maneira atomizada, sacando passagens do
contexto, e ignorantes da obra de Cristo, presas e apaixonadas às maldições
veterotestamentárias (velho pacto ou
antigo testamento), ressuscitam a ideia esdrúxula. É impressionante
o que a ignorância, aliada à empáfia, faz! Para alguns intérpretes (foi o caso deste irmão que me deu sua interpretação) o sinal posto sobre Caim foi a Cor Negra.
Por isso, a África e os negros eram amaldiçoados, e foram
deportados como escravos. Já ouvi gente dizer que a terra de Node, onde Caim
foi habitar era a África. Tolice da grossa, pois a região nunca foi
identificada. E o termo hebraico, nod,
tem a ideia de andar sem rumo, e não de deportação. A maldição sobre Caim foi
que ele, um agricultor, homem de vínculos com a terra, seria nômade.
E também a associação dos cainitas
(descendentes de Caim) com os quenitas
(uma das subtribos nômades dos midianitas, por isso midianita
ou quenita eram a
mesma coisa), amaldiçoados com deportação
escrava (Núm. 24.21-24) é tremendamente incerta. É uma violência exegética, o
que se chama de eisegese (pôr ideia
no texto ou seja, consiste em injetar em um texto, alguma coisa que o
interprete quer que esteja ali, mas que na verdade não faz parte do mesmo ).
Além de não se poder afirmar que Caim foi para a África, tal ideia ignora que o
sinal (‘oth, algo externo), foi para
proteção e não para maldição. Quem o encontrasse não deveria matá-lo (Gên. 4.15).
O termo reaparece em Gênesis 9.12: ‘oth
berith (“sinal da aliança”). E em Gênesis 17.11: lê ‘oth berith (“para sinal da aliança”).
Nestes dois casos, a palavra traduzida como “sinal” se
associa com bênção. Obviamente que é o mesmo sentido com o episódio de Caim.
Foi um sinal benigno, não maligno. O sinal posto foi lê Qain, literalmente “para Caim”, e não “contra Caim”. Foi algo
para lhe favorecer. A maldição sobre Caim foi a de ser errante, e o trato
posterior de Yahweh com ele foi de
misericórdia, e não de ódio eterno.
A tradição judaica diz que o sinal posto sobre Caim foi o
nome sagrado de YHWH, para que todos
soubessem que não deviam tocá-lo. Yahweh
foi fiador de Caim. Isso se chama GRAÇA e não maldição!
E há mais: as raças não surgiram após o Éden, mas após o
dilúvio (Gên. 10). E a dispersão da humanidade pela face da terra se deu em
Gênesis 11 (especialmente v. 9). Caim nada teria a ver com a África, nem com a
Europa, nem mesmo com a Oceania.
Há gente fissurada em maldições e no Antigo Testamento e suas
pragas. Respeitosamente recordo-lhes o conteúdo do Sermão do Monte: “foi dito”
e “eu, porém, vos digo” e sua admirável conclusão: “Estas minhas palavras”. O
padrão é o ensino de Jesus, o Novo Testamento. Lembrem- se da palavra do Pai,
na Transfiguração: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado; a ele ouvi”
(Mat. 17.5). Nós não ouvimos a Moisés e Elias (o Antigo Testamento), mas ao
Filho amado (Heb. 1.1-2).
Uma regra elementar de
Hermenêutica (significa “interpretação”: neste caso uma modalidade específica
de estudo teológico) ensina que o Novo Testamento interpreta o Antigo Testamento.
Inclusive, segundo Paulo, o judeu só entende completamente o Antigo Testamento
quando aceita o Novo (II Cor. 3.14- 16). Seria bom parar de colocar o mundo e a
igreja de Jesus sob o jugo do Antigo Testamento.
Jovem: fujamos de gente
exótica, que vê na Bíblia o que intérpretes bem mais capacitados e de mais
autoridade espiritual nunca viram. Os reinventores do evangelho e da Teologia
geralmente nos envergonham e escandalizam. E no que interessa: não há nenhuma
maldição especial sobre a África e sobre os negros.
Racistas de plantão:
não deturpem a Bíblia, nem envergonhem os verdadeiros cristãos!
Pr. Selmo Reis.
Sobre o Pr. Selmo Reis...
O Pr. Selmo
Ricardo Reis é bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do
Brasil e licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Foi Pastor Auxiliar na Saint John Primitive Baptist Church de Delray
Beach, Flórida e hoje reside em Washington, estado fronteiriço ao Canadá... Sua luta
para manter os afrodescendentes conscientes de suas histórias e ações,
permanece ativa.